sábado, 13 de junho de 2009

Foucalt e um pouquinho da história da sexualidade

“Trata-se de interrogar o caso de uma sociedade que, há mais de um século, se fustiga barulhentamente por sua hipocrisia, fala prolixamente de seu próprio silêncio, detalha obstinadamente o que não diz...”

Este comentário retirado do livro História da Sexualidade diz respeito do sexo intimamente ligado à proibição e ao pecado. O período que Foucault determina como origem da Idade da Repressão, que seria o século XVII, é também o momento do surgimento das instituições coercivas que o mesmo autor trabalha na obra Vigiar e Punir. Desta maneira é como se o sexo, uma prática sem segredos até o século XVI, passasse a ser também tratado de forma institucionalizada, ou seja, hierarquizada, codificada e qualificada.

Falar do sexo das crianças, fazer com que falem dele os educadores, os médicos, os administradores e os pais. Ou então, falar de sexo com as crianças, fazer falarem elas mesmas, encerrá-las numa teia de discurso que ora se dirigem a elas, ora falam delas, impondo-lhes conhecimentos canônicos ou formando, a partir delas, um saber que lhe escapa –tudo isso permite vincular a intensificação dos poderes à multiplicação do discurso. A partir do século XVIII, o sexo das crianças e dos adolescentes passou a ser um importante foco em torno do qual se dispuseram inúmeros dispositivos institucionais e estratégias discursivas. É possível que se tenha escamoteado, aos próprios adultos e crianças, uma certa maneira de falar do sexo, desqualificada como sendo direta, crua, grosseira. Mas, isso não passou da contrapartida e, talvez da condição para funcionarem outros discursos, multiplos, entrecruzados, sutilmente hierarquizados e todos estreitamente articulados em torno de um feixes de relações de poder.

Uma das razões da institucionalização do sexo através do discurso ou de quem poderia praticar esse discurso, é a relação de trabalho que se instaura a partir do século XVII, que é a de uma ordem trabalhista na qual o sexo, como fonte de prazer, deve ocupar um espaço que não concorra com a lógica do trabalho e que, em tal espaço, tenha uma função na nova ordem que é a de, se possível, dinamizar o capitalismo ainda que minimamente canalizando as energias sexuais para o trabalho.
Como o objeto natural do sexo é uma ilusão, Foucault interroga-se a cerca do discurso do sexo, visto que este assunto nunca foi tão intensamente abordado. Ele critica a hipótese da repressão colocando-a como uma teoria ingênua que usa da idéia da repressão como uma forma de poder. A partir desta crítica o autor mostra que o poder não tem apenas a forma repressiva, de interdição, calando o sexo, mas mostra-se também de maneiras mais sutis, usando o discurso do sexo como um discurso de poder sobre o sexo, visando a normalização deste. Este discurso foi progressivamente debatido com maior amplitude. Na igreja, o debate sobre o sexo acirra uma espécie de controle sobre os seus paroquiais, numa tentativa de afirmação do poder papal sobre o poder imperial (séculos XVIII e XIX). Incita-se a partir daí a confissão como uma espécie de controle.
Este confessar significava um estímulo ao discurso do sexo em detrimento de sua prática, o que fica claro no trecho a seguir:

Não somente foi ampliado o domínio do que se podia dizer sobre o sexo e foram obrigados os homens a estendê-lo cada vez mais; mas, sobretudo, focalizou-se o discurso no sexo, através de um dispositivo completo e de efeitos variados que não se pode esgotar na simples relação com uma lei de interdição. Censura sobre o sexo? Pelo contrário, constituiu-se uma aparelhagem para produzir discursos sobre o sexo, cada vez mais discursos, suceptíveis de funcionar e de serem efeito de sua própria economia.

Da mesma forma que ocorreu com o sexo, as instituições se aproveitam deste falar “prolixamente do próprio silêncio”, detalhar “obstinadamente o que não diz”, denunciar “os poderes que exerce” e prometer “se liberar das leis que a fazem funcionar”. A lógica para o funcionamento desta sociedade é a hipocrisia. E as instituições junto às intitucionalizações do discurso são estratégias fundamentais. Cria-se a prisão para dar a sensação de que não estamos presos fora dela; cria-se o mundo de fantasia (Disneylandia) para acreditarmos que vivemos em um mundo real fora dele; cria-se o hospital psiquiátrico para que quem esteja fora dele não se ache louco e institucionaliza-se a própria hipocrisia para que o homem não reaja a todas as condições adversas que o cerca.

O homem pobre e só, rodeado por esses objetos imensos, essas enormes forças coletivas que o arrastam sem que ele as compreenda, sente-se fraco, humilhado. Já não tem o orgulho que outrora tornava tão poderoso o gênio individual. Se a interpretação lhe falta, fica desencorajado diante dessa sociedade que ele julga tão sagaz e sábia. Tudo aquilo que vem do centro luminoso ele aceita, prefere sem dificuldades às suas pobres concepções. Perante essa pequenina musa popular se contém, não ousa inspirar. (vigiar e punir, p. 124)

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