domingo, 14 de junho de 2009

O NEOPLATONISMO E A ETERNA FÉ CRISTÃ


Podemos notar, ao analisar num plano geral a obra confissões, que Agostinho faz uma busca incessante em direção a uma verdade que seja eterna, que não se modifique através dos tempos. Agostinho buscava formular as bases de uma humanidade regida por uma lei divina imutável e absoluta. Em diversos trechos de sua obra Agostinho mostra sua inquietação em relação às leis terrenas, que de tempos em tempos se modificam. “Tais são os que se irritam por terem ouvido dizer que noutros tempos se permitia aos justos o que agora lhes é vedado e que Deus, por razoes momentâneas, preceituou aos primeiros uma coisa e aos vindouros outra, estando uns e outros sujeitos à mesma injustiça... O que há pouco era permitido já não o é agora. Certas coisas, que antes eram lícitas e até prescritas, agora são justamente proibidas e castigadas. Porventura a justiça é desigual e mutável? Não. Os tempos a que ela preside é que não correm à par, pois são apenas tempos.”
Nessa sua inquietação, Agostinho mostra-se um homem típico de seu tempo, e podemos analisar sua obra dentro do contexto de esfacelamento do Império Romano. Agostinho vive a decadência do Império, sua desestruturação política e o período de invasões bárbaras. Já não se podia mais depositar confiança no outrora grandioso direito romano. Já estavam em cheque todos os alicerces da civilização clássica. Precisava-se de uma nova verdade, que não fosse etérea. Para Agostinho essa verdade era a fé cristã.
Mas como se desvencilhar de séculos de uma cultura greco-romana? Era possível fazer uma ruptura entre o agonizante mundo clássico e a vindoura civilização cristã? De maneira alguma, e a própria vida e obra de Santo Agostinho nos mostra os laços entre esses dois mundos. Agostinho teve uma educação predominantemente clássica. Leu Cícero, adentrou-se na seita dos maniqueístas e antes de converter-se teve amplo contato com a filosofia neoplatônica.
Para analisarmos as influências neoplatônicas na obra de Agostinho, devemos levar em consideração que os relatos agostinianos de que dispomos são todos posteriores a sua conversão. Esse aspecto é importante, pois a leitura deve ser realizada da seguinte maneira: Agostinho já havia encontrado a sua verdade, ele comenta a sua fase pré-cristã já tendo em vista “o colírio de suas dores salutares”.
Porém, apesar de já ter abraçado a salvação cristã, agostinho de maneira alguma joga fora os conhecimentos adquiridos nas fontes platônicas. É muito interessante um cânone onde Agostinho compara as teorias neoplatônicas com a doutrina cristã. Em seguidos parágrafos ele faz a mesma construção - inicia enunciando um preceito neoplatônico aceito pelo cristianismo, em seguida completa com um preceito bíblico e finaliza dizendo: isto não li naqueles livros (neoplatônicos). “Do mesmo modo, li nesse lugar (neoplatonismo) que o Verbo Deus não nasceu da carne, nem do sangue, nem da vontade do homem, mas de Deus. Porém, que o verbo se fez homem e habitou entre nós, isso não o li eu aí.” Agostinho complementa a doutrina neoplatônica com os dogmas cristãos.
Agostinho é um filósofo que articula uma transição que ocorre em seu tempo: a transição do mundo clássico para a civilização cristã. Mas também podemos substituir o termo transição pelo termo fusão, pois o que ocorre indubitavelmente é a fusão de uma cultura já caduca com uma cultura em formação. Em suma Agostinho visualiza a nova pax que deveria reinar sobre a terra em substituição do mundo caótico em que vivia em fins do século IV. Ele compara a filosofia platônica com a cristã de maneira bem elucidativa no final do livro VII de confissões. Com o neoplatonismo você visualiza a paz, mas não sabe como alcança-la, com o cristianismo você a enxerga e desbrava os caminhos para lá chegar. “Uma coisa é ver dum píncaro arborizado a pátria da paz e não encontrar o caminho para ela, gastando esforços vãos por vias inacessíveis, entre os ataques e insídias dos desertores fugitivos com seu chefe Leão e Dragão; e outra coisa é alcançar o caminho que para lá conduz, defendido pelos cuidados do general celeste, onde os que desertaram da milícia do paraíso não podem roubar, pois o evitam como suplício.”

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