quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

É bom ver filmes relacionados a Música



Em termos de música, algo que faz muita diferença é saber a história da canção. As vezes a melodia tem uma história diferente da letras, outras vezes caminham juntas. Em diversos momentos, a melodia é feita para a voz de alguém e, assim, melodia, letra e voz possuem sua própria trajetória. Quando vejo essa enxurrada de filmes documentais sobre canções, falando dos Titãs, dos Secos e Molhados, Festivais e por aí vai, a cada vez que saio do cinema ou dos momentos de assistir, fico maravilhado com a série de histórias que acompanham uma simples canção. Quando ouço as músicas novamente, é como se fossem novas melodias, novas letras e uma nova voz perpassando aqueles poucos minutos que sempre me tocaram. Vale muito procurar saber informações sobre músicas importantes para a nossa vida ou apenas gostosas de serem ouvidas. Recomendo que se procure faltar o mínimo possível essas salas de cinema sobre cantores, cantantes ou épocas musicais, pois as melodias, letras e vozes ficam ainda mais enriquecidas pela história que contextualiza tais momentos.

Jair Rodrigues hoje e sempre



Estive esse ano no show do Jair Rodrigues aqui em Curitiba, parte da nossa virada cultural. O que me impressionou é, em primeiro lugar, que o cara continua com um vozerão danado que inicialmente já contagia o público; mas sem dúvida o que mais chama a atenção é a energia do cantor que lembra aquela animação de palco que ele tinha, de quando vemos em documentários, ainda naqueles velhos tempos. É animado, simpático, enérgico. Grande Jair Rodrigues, quando canta “Prepare seu coração”, é como se trouxesse os grandes tempos da MPB de volta a nossos ouvidos.

Cantoras dos 60s e 70s: voz acima da beleza



É interessante que durante as décadas de 1960 e 1970 o regime militar ficava antenado com relação a sensualidade das cantoras que interpretavam as canções nos festivais de música televisionados. Interessante porque se lembrarmos das principais cantoras daquele período, aparentemente não há muito com o que se preocupar. Os dois grandes nomes femininos de nossa música àquela época – e provavelmente até hoje – eram Nara Leão e Elis Regina. Nenhuma das duas havia muito o que ser explorado em termos de beleza e sensualidade. Sem dúvida a beleza usual e mediana delas e de outras de suas companheiras como Nana Caymmi, demonstram que naqueles tempos o que interessava mesmo em uma cantora era a voz feminina e poderosa, capaz de ficar bonita tanto ao vivo em um palco de teatro quanto transmitida pela televisão. Essas foram sem dúvida as nossas maiores cantoras daquele momento até os dias atuais.

Nara Leão e o poder da voz em 67



No filme “Uma Noite em 67” – que trata sobre a final do Festival da Canção Popular da Record de 1967 – tem uma parte nos “Extras” que se refera à canção “A Estrada e o Violeiro”, interpretada por Nara Leão e Sidney Miller. A pergunta do documentarista sobre essa música é algo do tipo “como é possível uma canção tão longa se classificar para as finais do festivai?”, ao que os arguídos – ninguém menos que Solano Ribeiro, Zuza Homem e Ferreira Goulart – respondem sem pestanejar que o poder da melodia no festival se deveu à Nara Leão. E efetivamente, ouvindo e vendo as imagens, é possível perceber o quanto a voz dela era superior ao de seu parceiro de música e, provavelmente, de quanto sua interpretação ressoa belissimamente como talvez nenhuma outra foi capaz dada as condições técnicas de equipamentos projetados para um público grande e ao mesmo tempo para a televisão. Sua voz soa linda, limpa, suave e poderosa. Posso dizer que passei a entender o que se fala de Nara Leão definitivamente depois de ver estas imagens, em que uma voz tão imponente sai de uma mulher tão miúda. Impressionante.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O negro não deve pedir licença ao branco para entrar


Meus caros amigos leitores (sei que talvez não tenha nenhum), peço que procurem filmes e biografias sobre Nelson Mandela, sobre Martin Luther King, sobre Zumbi dos Palmares e percebam que cada minúsculo direito conquistado pelos negros no Brasil, nos EUA e no mundo foi conquistado com muito, muito e muito sangue. Você que é branco, meu colega, pense na seguinte situação: imagine querer estudar em uma escola e morrer por isso, ver seus familiares, parentes, amigos morrerem para que, aos pouco, um consiga entrar na escola, pegar um ônibus, frequentar uma mísera praça. Meu velho, isso não é coisa do passado não, na África do Sul o apartheit acabou um dia desses.

Meu amigo, pense em você com sua videolocadora e o que pode se passar em sua cabeça ao entrar um negro. Camarada, porque você acha que pedem currículo com foto??? Para excluir os negros dos atendimentos comerciais e de tudo o que possa ser público. Porque as cotas assustam aos brancos??? A luta continua e ela não acentua o preconceito, o que vai acontecer é que o preconceituoso e o racista vão se manifestar ao verem os negros conquistarem seus lugares de direito e frequentarem os mesmos lugares dos demais agentes sociais. Não haverá mais racismo com os negros calgando altos postos, apenas ficará mais claro o racismo que já existe, acabará esse mito absurdo que foi criado no Brasil de que somos um país tolerante. Tolerante enquanto o negro é subalterno.

Salve Zumbi, salve os Black P. Stones, Salve os Black Stone Rangers, salve os Panteras Negras e suas boinas vermelhas! Quando o negro pediu licença para entrar, as portas foram fechadas. Quando entrou sem pedir foi preso, assassinado e torturado. A questão é de luta mesmo.

domingo, 20 de novembro de 2011

RPG e suas multiplas narrações

Sabe quando você se pergunta "mas o que é que eu tô fazendo aqui?". Pois é, as vezes eu fico procurando uma linha entre o fato de eu ser formado em jornalismo, em história e o que diabos isso tudo tem a ver com RPG. Pô, mesmo passando dos 30 anos de idade, eu jogo todo santo sábado, escrevo sobre RPGs nesse blog e ainda tenho outro blog só para estórias e histórias específicas do grupo de jogatina que faço parte. É muito tempo investido em uma atividade, precisaria ter uma relação com o que faço de trabalho. Não que essa dúvida me tire o sono, mas se tivesse alguma relação ajudaria a dormir melhor.

Eis que essa semana tive aquilo que os psicanalistas chamam de insight. Lendo um livro da Marialva Barbosa sobre história da televisão no Brasil (tema da minha dissertação de comunicação), ela, a autora que é formada em comunicação com doutorado em história, fala que a história é uma narrativa. Não vou me deter nisso, pois prometi a mim mesmo não ser acadêmico nesse blog, mas ali é utilizada referências do filósofo francês Paul Ricoeur. Continuando, a autora vai falando sobre traços e vestígios deixados pelo ser humano no qual o historiador junta para a sua narrativa de um tempo irrecuperável: o passado.

Eureca! Foi naquele momento que tudo fez sentido. Primeiramente, jogar RPG é se comunicar de uma maneira extremamente qualificada, principalmente quando beiramos os 30 ou mais anos de idade. Narrar para uma galera mais velha exige paciência para ouvir, exige uma capacidade de argumentação para lidar com amigos que são tão inteligentes ou mais que você. Dentro de uma jogatina, contar uma história em conjunto, tendo em conta o que cada colega pode render, é uma maneira moderna de fazer algo tão antigo quanto a própria humanidade (contar causos) e assim o poder comunicacional é fundamental.

E tem a História, disciplina, nisso tudo. Mas ora bolas! Se a História é uma narrativa, que mais útil nesse trabalho de historiador que a imaginação de poder "ver" os fatos que ocorreram. Explicando melhor, lembro-me bem (demais) que quando eu lia um texto, livro ou artigo durante o curso de história, conseguia visualizar aquilo de uma maneira quase tocável. As caravelas cruzando os mares, os escravos, quilombos, as rebeliões de independência, as revoltas, revoluções, os golpes... tudo sempre foi muito visual para mim. E quando meus colegas me perguntavam (ou me perguntam) "como raios você lembra de tudo isso, cara???"; dá vontade de dizer "pô, eu vi tudo".

Seria uma resposta mentirosa, mas o ponto em que eu quero chegar é que se um livro de certo historiador é uma narrativa de certo momento histórico (sujeito, portanto, a interpretações e etc.), não deixa de ter uma relação com aquela narrativa da mesa de RPG. Mera relação, pois como diria o tal do Ricoeur, há uma diferença entre "achar" e "inventar", sendo o RPG um espaço para a invenção. Seja como for, quero dizer que quando faço minhas pesquisas, pego um "rastro" humano e tento juntar as peças daquele quebra-cabeça, é impressionante o quanto estou visualizando a tal história que estou "narrando" (a narração do "acho"). Essa capacidade de ver tem sido exercitada sobremaneira cada vez que sento e uma mesa e jogo.

Mas o que veio primeiro, o ovo ou a galinha? Ou seja, o RPG me deu subsídios para o fato de "historiar" ou a disciplina História me deu subsídios para "narrar" (narração do "invento")? Não sei e tanto faz. Minhas jogatinas vieram antes da universidade. Os livros de história que lia e a própria disciplina História que aprendia na escola (e que adorava) vieram antes das jogatinas. Desde pequeno, como qualquer criança, tenho a imaginação fértil e o que posso dizer é que com o RPG nunca parei de pôr mais humo nessa plantação. Posso dizer ainda que fazer e estudar história, vejo bem agora, me mantém nessa linha imaginativa, já que para mim, fruto do que quer que seja, essa narração da História é algo muito visual e viva, de maneira muito parecida com as visualidades de uma jogatina de RPG de mesa, considerando não apenas os prós, mas também os contras desse fato que, acima de tudo para mim, levanto.

Stalin acreditava na bondade de Hitler???


Sério, avisa para todos aqueles que gostam de história da segunda guerra mundial que o Stalin nunca acreditou que o Hitler o atacaria. Foram mais de quarenta avisos e diversos relatórios, mas o pusilânime do ditador russo não acreditava de forma alguma que o Hitler, tão bonzinho, o atacaria. Quando os relatórios chegaram até ele, o bigodudo disse que se tratava de informação errada. Só acreditou no ataque quando um general ligou para ele e disse "Estão soltando bombas sobre nós, senhor". Diante do silêncio de Stalin o general repetiu "está me ouvindo senhor, entendeu". Foi só então que a ficha caiu.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Questões sobre o livro 1984 de George Orwell


O tempo.

O tempo relatado efetivamente por Orwell não é o futuro nem o presente, mas sim o passado. É a relação do ser humano representado por Winston, com o próprio passado que dá conteúdo ao romance. Um protagonista sem passado em um drama contextualizado em um tempo e um espaço. É esse o desespero de Winston conhecer o seu passado. Mas, como afirma um dos slogans do Partido: quem controla o passado controla o futuro. Quem controla o presente controla o passado.

História.

Contextualizando o autor, o livro relata os regimes totalitários dos grandes ditadores da época de Orwell: Hitler, Mussolini e Stalin. Qualquer um deles se enquadraria no perfil do Grande Irmão ou ainda uma mistura de todos eles, pegando de cada um o que melhor os garantiu enquanto ditadores, afinal, nunca se viu o Big Brother e, sendo um computador, pode juntar a maior qualidade de cada um destes figurões históricos. Uma característica, talvez um pouco extremista, é de que no livro, assim como nos regimes totalitários, o poder cultiva a revolta em algumas pessoas para mostrar quem, afinal, exerce o poder. Winston foi, seguramente, instigado a se rebelar e viver um drama de final trágico. Dentro do livro a história e o passado são de domínio do Partido, que molda o passado para se acomodar no presente e manter, invariavelmente, as forças de poder no poder.

Baralha a ordem do tempo permitindo mudança do passado:

- O passado existe concretamente, no espaço? Existe em alguma parte um mundo de objetos sólidos, onde o passado ainda acontece?
-Não.
-Então, onde é que existe o passado, se é que ele existe?
-Nos registros. Está escrito.
-Nos registros. E em que mais?
-Na memória. Na memória dos homens.
-Na memória. Muito bem. Nós, o Partido, controlamos todos os registris, e controlamos todas as memórias. Nesse caso, controlamos o passado, não é verdade?
-Mas como podes impedir que a gente se lembre das coisas?!! É involuntário. Está fora do indivíduo. Como podes controlar a memória? Não controlaste a minha.


E assim Orwell demonstra como se é possível controlar a história, controlar o passado, mudar o passado e “baralhar” a ordem do tempo. Todo o tipo de registro que não interessava ao poder era por vezes eliminado, por outras moldado (ou mudado). Frequentemente mudavam várias vezes de acordo com a conveniência. Mas será que o monopólio da história é privilégio do futuro? Um absurdo deste acontece no nosso presente? É necessário tecnologia para controlar a história? Um contemporâneo de Orwell se questionou quanto a isto exatamente uma década antes. O dramaturgo Bertold Brecht escreveu de forma maestral um poema chamado Perguntas de Um trabalhador que lê no qual busca a compreensão do domínio da história por quem detém o poder. Vamos ler a obra abaixo.

PERGUNTAS DE UM TRABALHADOR QUE LÊ
Bertold Brecht


Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia várias vezes destruída
Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas
Da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que
a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo
Quem os ergueu? Sobre quem
triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio
tinha somente palácios para os seus habitantes? Mesmo
na lendária Atlântida
os que se afogavam gritaram por seus escravos
na noite em que o mar a tragou.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou, quando sua armada
naufragou. Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?

Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?

Tantas histórias.
Tantas questões.

sábado, 29 de outubro de 2011

A SEDUÇÃO DAS COISAS

A sociedade de consumo pode caracterizar-se pela “elevação” do nível de vida, abundância das mercadorias e serviços, culto dos objetos e lazeres, moral hedonista e materialista. Mas estruturalmente, o processo da moda é que a define. A sociedade é aquela que faz passar o econômico para a moda como forma de massificação dos produtos, sedução e diversificação.

O consumo de objetos e sua produção são regras do efêmero. Desde a Segunda Guerra Mundial a temporalidade curta da moda “destruiu” o universo da mercadoria que foi transformado a partir daí por um processo de renovação propiciando sempre mais o consumo. Com a moda consumada e seu tempo breve, o desuso tornou-se característica à produção e ao consumo de massa. Torna-se lei: uma firma que não cria regularmente novos modelos perde força de penetração no que a opinião espontânea dos consumidores é a de que o novo é superior ao antigo. A oferta e a procura funcionam pelo Novo, nosso sistema econômico faz a inovação grande ou pequena reinar e o desuso acelerar; especialistas em marketing e inovação asseguram que em dez anos oitenta a noventa por cento dos produtos atuais estarão desclassificados e serão apresentados sob nova forma e embalagem. O NOVO aparece como imperativo categórico da produção e do marketing, nossa economia-moda caminha na sedução insubstituível da mudança, da velocidade e da diferença.

FAZER A DIFERENÇA – VALORES AGREGADOS

O consumo traz a ascensão dessa economia neokitsch, consagrada ao desperdício, ao fútil, à patologia do funcional, nem útil, nem inútil. As relações que mantemos com os objetos já não são de tipo utilitário, mas de tipo lúdico, o que nos seduz ( ensejo, mecanismo, manipulações e performances).

Isso traz a produção em série/modelo que é oposta ao modelo luxo, pois possui mediocridade funcional e é posto rapidamente de lado. A produção de massa trabalha sistematicamente para reduzir a duração de vida dos produtos através de defeitos de construção voluntários e da degradação da qualidade.

Nossa sociedade não é dominada pela lógica kitsch da mediocridade e da banalidade. O que faz a diferença é cada vez menos a elegância formal e cada vez mais as performances técnicas, qualidade dos materiais, conforto e sofisticação dos equipamentos. O estilo original não é mais privilégio do luxo, todos os produtos são doravante repensados tendo em vista uma aparência sedutora, a oposição modelo/série perdeu seu caráter de magnificência.

Os produtos industriais incorporaram a sistemática da estética em suas elaborações expandindo a moda na realização final. Estética industrial, design, o mundo dos objetos está sob o jugo do estilismo e do imperativo do charme das aparências. Após a grande depressão nos EUA, os industriais descobriram o papel primordial que podia ganhar o aspecto externo dos bens de consumo no aumento das vendas:

GOOD DESIGN, GOOD BUSINESS – A FEIURA VENDE MAL

Impôs-se o princípio de estudar esteticamente a linha e a apresentação dos produtos de grande série, de embelezar e harmonizar formas, seduzir os olhos. O mundo dos objetos passam pelo ritmo do styling, das mudanças anuais de linhas e cores.

A aparência dos produtos e sua renovação estilística continuam tendo um lugar determinante na produção industrial, a apresentação dos objetos continua sendo crucial para impor o sucesso no mercado. As publicidades são estranhamente semelhantes em sua chamada insistente do look moda. Qualquer que seja o gosto contemporâneo pela qualidade e pela confiabilidade, o sucesso de um produto depende em grande parte de seu design, de sua apresentação, embalagem e acondicionamento.

OTIMIZAÇÃO

Muitas vezes basta uma nova embalagem para recuperar um produto desaquecido.
O design, com efeito, opõe-se frontalmente ao espírito de moda, aos jogos gratuitos do decorativo, do kitsch, da estética supérfula. Não é sua tarefa conceber objetos agradáveis ao olho, mas encontrar soluções racionais e funcionais.

O valor estético é parte inerente da função. Se a ambição suprema do design é criar objetos úteis adaptados às necessidades essenciais, sua outra ambição é que o produto industrial seja humano, devendo dar lugar à busca do encanto visual e da beleza plástica. Assim o design se insurge menos contra a moda do que institui uma moda específica, uma elegância nova, caracterizada pelo aerodanismo e pela depura,ao das formas, uma beleza abstrata feita de rigor e coerência arquitetônica.

A encenação e o artificialismo não desapareceram, é o charme discreto do despojamento, da economia dos meios e da transparência. Sedução fria, unívoca após a teatralidade caprichosa e ornamental. Criando formas contemporâneas sem laços com um outrora, o design é um hino à estrita modernidade. Hostil ao fútil, o design é sustentado pela mesma lógica temporal da moda.

CONTEMPORANEIDADE

Com base nas análises de Baudrillard há o esforço de desmistificar a ideologia do consumo como comportamento utilitarista de um sujeito individual, finalizado pelo gozo e satisfação de seus desejo, o que é uma ideologia enganosa pois o consumo se remete ao tributo e a distinção social. Jamais se consome um objeto por ele mesmo ou por seu valor de uso, mas em razão de seu valor de troca signo, isto é, prestígio, status, posição social que confere.

O valor de uso das mercadorias não é o que motiva profundamente os consumidores; o que é visado primeiramente é o standing, a posição, a conformidade, a diferença social. Os objeto não passam de expoentes de classe. É essa lógica do objeto signo que impulsiona a renovação acelerada dos objetos mediante sua reestruturação sob a defesa da moda.

As novidades audaciosas e aberrantes da moda têm por função recriar distância, excluir a maioria, incapaz de assimila-las imediatamente, e distinguir, ao contrário, as classes privilegiadas que podem apropriar-se delas. Sendo instrumento de distinção de classes, a moda reproduz segregação social e cultural, participa da mitologia moderna mascarando uma igualdade que não pode ser encontrada.

O que se busca através dos objetos, é menos uma legitimidade e uma diferença social do que uma satisfação privada cada vez mais indiferente aos julgamentos dos outros. O consumo não é mais uma atividade regrada pela busca do reconhecimento social; manifesta-se em vista do bem-estar, da funcionalidade, do prazer para si mesmo. O consumo maciçamente deixou de ser uma lógica do tributo estatuário, passando para a ordem do utilitarismo e do privatismo individualista.

É verdade que na aurora do impulso do consumo de massa, certos objetos como televisão, carro tenham podido ser elementos de prestígio mais investidos de valor social do que de valor de uso. Nos dias de hoje esses objetos são considerados como um direito natural. Os novos bens que chegam ao mercado não chegam a impor-se como material carregado de conotações de standing; mais rapidamente são absorvidos por uma demanda coletiva ávida não de diferenciação social mas de autonomia, de novidades, de estimulações, de informações.

Muitas vezes a compra de um carro, de uma segunda residência, artigos de grife remete uma vontade explícita de demarcar-se socialmente, de exibir uma posição. O consumo prestigioso não deve ser tomado como modelo do consumo de massa, que repousa bem mais no valores privados de conforto, de prazer, de uso funcional. Queremos antes de tudo aparelhos que funcionem, que assegurem uma boa qualidade de conforto, de durabilidade, de operatividade. O que não quer dizer que o consumo não esteja associado a inúmeras dimensões psicológicas e imagens.

Muda-se facilmente de casa, carro, mobiliário. Já não gostamos das coisas por elas mesmas ou pelo estatuto social que conferem, mas pelos serviços que prestam, pelo prazer que tiramos delas, por funcionalidade permutável. Não há mais alienação, os indivíduos se desapossam dos objetos sendo que antes eram desapossados por eles. Quanto mais o consumo de desenvolve, mais os objetos se tornam meios desencantados, instrumentos. Numa sociedade de indivíduos autônomos, o Novo é fortemente presente, caminham juntos.
PALAVRAS-CHAVE PARA ENTENDER O PENSAMENTO DE ALGUNS AUTORES QUE FALAM SOBRE TECNOLOGIA E IDEOLOGIA:

H. Marcuse: Técnica e Dominação
M. Weber: Racionalização e racinalidade
T. Adorno e M. Horkheimer: Indústria Cultural e Dialética do Esclarecimento
W. Benjaminn: Obra e Contexto Histórico
J. Habermas: Consciência Tecnocrática e Agente Comunicativo
I. Kant: razão e esclarecimento
K. Marx: mercadoria, fetichismo, alienação e capital.
Hegel: dialética e idealismo.

Weber, Marcuse e o Agir Racional

Max Weber introduziu o conceito de “racionalidade” a fim de determinar a forma da atividade econômica capitalista, das relações de direito privado burguesa e da dominação burocrática. Racionalização quer dizer, antes de mais nada, ampliação dos setores sociais submetidos a padrões de decisão racional. A isso corresponde a industrialização do trabalho social, com a conseqüência de que os padrões de ação instrumental penetram também em outros domínios da vida (urbanização dos modos de viver, tecnicização dos transportes e da comunicação). Trata-se, em ambos os casos, da propagação do tipo de agir-racional-com-respeito-a-fins: aqui ele se relaciona à organização dos meios, lá à escolha entre alternativas. A planificação pode finalmente ser concebida como um agir racional-com-respeito-a-fins, de segundo grau: ela se dirige para a instalação, para o aperfeiçoamento ou para a ampliação do próprio sistema do agir racional-com-respeito-a-fins. A “racionalização” progressiva da sociedade está ligada à institucionalização do progresso científico e técnico. Na medida em que a técnica e a ciência penetram os setores institucionais da sociedade, transformando por esse meio as próprias instituições, as antigas legitimações se desmontam. Secularização e “desenfeitiçamento” das imagens do mundo que orientam o agir, e de toda a tradição cultural, são a contrapartida de uma “racionalidade” crescente do agir sócia.

Herbert Marcuse partiu dessa análise para mostrar que o conceito formal de racionalidade –que M. Weber tirou do agir racional-com-respeito-a-fins do empresário capitalista e do trabalhador industrial assalariado (...) [etc.] –tem implicações materiais determinadas. Marcuse está convencido de que, no processo que Weber chamou de “racionalização”, dissemina-se não a racionalidade como tal, mas, em seu nome, uma determinada forma inconfessada de dominação política. Visto que se estendo à escolha correta entre estratégias, ao emprego adequado de tecnologias e à organização de sistemas de acordo com fins (...) essa espécie de racionalidade subtrai à reflexão a contextura de interesses globais da sociedade –ao serem escolhidas as estratégias, empregadas as tecnologias e organizados os sistemas –, furtando-a a uma reconstrução racional (...) O agir racional-com-respeito-a-fins é, segundo sua estrutura, o exercício do controle. “Talvez o próprio conceito de razão técnica seja uma ideologia. Não apenas na sua aplicação, mas já a própria técnica é dominação (sobre a natureza ou sobre o homem), dominação metódica, científica, calculada. Não apenas de maneira acessória, a partir do exterior, que são impostos à técnica fins e interesses determinados –eles já intevêm na própria construção do aparato técnico; e técnica é sempre um projeto histórico-social; nela é projetado aquilo que a sociedade e os interesses que a dominam tencionam fazer com o homem e com as coisas. Tal objetivo da dominação é “material” e, nessa medida, pertence à própria forma da razão técnica.

Militares: bem mais de 20 anos no poder

A trajetória dos militares no poder dentro do cenário político brasileiro não se inicia apenas em 1964. Antes o contrário, o dia 31 de março deste ano simboliza a força que os militares acumularam ao longo de mais de 30 anos, em que todos os presidentes que ascenderam, por eleição ou por golpe, tiveram de compor com o grupo mais forte e organizado –talvez o único- do território nacional: o exército.

Dentro de cada governo dos final dos anos 20 até 1964, o principal ministério foi sempre o da Guerra, ocupado pelo exército, que junto com o Ministério da Marinha e o Ministério da Aeronáutica jogavam importante papel no jogo político nacional.

Os grupos militares se fortaleceram com Getúlio, em 1930, que após ser retirado do Palácio do Catete (antiga cede governamental) em 1945 pelos próprios militares, teve como primeiro presidente do período chamado Populismo, o ministro de guerra de Vargas: Gaspar Dutra. Vale lembrar que Vargas apoiou Dutra, um candidato sem carismas e que sem este apoio dificilmente ganharia de seu adversário, também um militar.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

ARTE E MÍDIA: a análise de um texto

1- Identificando os procedimentos do autor em cada parágrafo

P1: No primeiro parágrafo do livro, a introdução, o professor Arlindo Machado busca contextualizar o leitor no que diz respeito ao conceito de ARTEMÍDIA, explicando já de maneira fácil e direta do que se trata o livro como um todo sem deixar de ser amplo e profundo.

P2: Em seguida, Machado vai ampliar o conceito para além de quesitos técnicos, passando a debruçar-se na divisão da expressão, ou seja, a “arte” e a “mídia” para melhor analisa-lo ao longo de toda a obra, deixando o gancho para o que será o capítulo seguinte. Aqui já se encerra a introdução.

P3: No que seria um segundo capítulo titulado “Arte e Mídia: aproximações e distinções”, Arlindo Machado passará por sobre a teoria de Walter Benjamin e o seu artigo principal, “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”. Como é de costume de Machado, as idéias são colocadas em sua obra sem que as referências sejam devidamente citadas. Em todo caso, ficará claro que, como diz o professor, “A arte sempre foi produzida com os meios de seu tempo” - o que nos remete ao frankfurtiano Benjamin, para assim a obra chegar ao conceito de arte e mídia na sociedade contemporânea.

P4: Neste parágrafo, Arlindo Machado dissertará belamente sobre como a arte se apropria de aparatos tecnológicos que não são produzidos, em sua origem, pensados para um uso artístico. Porém, o artista não se limita a ver uma “máquina” apenas para o uso que lhe foi conferida e a subverte para produções artístico-culturais de toda a sorte. O capítulo é encerrado com a trajetória que desemboca no nascimento da poderosa indústria fonográfica.

P5: Dentro da mesma idéia de indústria fonográfica e sua reprodução em série para o acumulo de capitais no sistema vigente –ou seja, o capitalista –Machado vai contextualizar o cinema, a fotografia, o vídeo e o computador no mesmo eixo, concentrando-se nas peculiaridades desta última máquina –o computador- e o impacto da digitalização nas produções artísticas.

P6: Neste momento, o professor Arlindo expõe as qualidades da imagem digitalizada dentro da lógica da reprodutibilidade técnica.

P7: Agora, de maneira complexa, as limitações da imagem cinematográfica digitalizada são expostas, permitindo perceber os pontos mais fracos desta “compactação da imagem” em sua forma digital, não permitindo nuances que a pintura, por exemplo, permite.

P8: Em uma área de conhecimento em que Arlindo Machado domina como poucos no Brasil, ele passa a falar de obras artemidiáticas produzidas nos primórdios desta produção artística, lembrando que a arte é um grande desvio em termos perspectivos do uso que originalmente se atribuiu a determinadas maquinarias, lembrando obras de Nam June Paik, Frederic Fontenoy e outros.

P9: A partir daqui, Machado –novamente sem fazer citações bibliográficas diretas –vai começar a introduzir as teorias de Vilen Flusser e a idéia de artista em contraposição ao funcionário diante de uma máquina.

P10: Machado trabalha um exemplo que remete à teoria de Vilen Flusser.

2. Avaliar o texto:

A - parágrafo inicial: o parágrafo inicial, parte componente da introdução, está bem contextualizado, trazendo a origem norte-americana do termo artemídia e explicando por uma perspectiva ao mesmo tempo universal e local. O tema é relevante por termos poucos trabalhos de artemídia realmente conceituados no Brasil, o que justifica a obra do autor que, embora curta e de rápida leitura, é esclarecedora. Acredito que artistas como um todo devem ler a obra, em especial o que lidam com vídeo e produção de imagens.

B- O tema está bem definido e proposta de forma objetiva e comunicativa, característica das obras de Arlindo Machado. Podemos dizer que dentro da temática abordada, Machado é a maior autoridade entre acadêmicos no país, pois este livro é obra que dá continuidade a outras publicações suas, como “Máquina e Imaginário”, publicada já em 1993. Embora isto esteja posto, ficaria como crítica ao autor o fato de ele pouco fazer referências bibliográficas nesta obra e, diga-se, no conjunto de suas obras como um todo. Ainda que não ocorra a citação, percebe-se a pesquisa realizada na área e a citação implícita de autores que Machado faz, demonstrado ser pessoa de grande erudição.

C- A idéia é desenvolvida com maestria. Para uma obra tão pequena, o tema está por demais encorpado. Vale lembrar que Arlindo Machado é o maior curador de exposições de artemídia no país, tendo em seu currículo curadorias desde a década de 1980, entre elas “Arte e Tecnologia” (MAC-SP, 1985), “Cinevídeo” (MIS-SP, 1992-3) entre outras que ocorreram recentemente, como Emoção Art.Ficial II. Envolvido com pesquisa e com a arte em si, podemos dizer que suas idéias são desenvolvidas com real conhecimento de causa, embora a sua metodologia –perfeita em seu desenvolvimento- peque, como já foi dito acima, pela falta de citações diretas dos autores a quem toma emprestado as suas idéias. Os exemplos citados são quase pedagógicos, facilitando o entendimento do tema e da teoria que norteia certa caminho a ser traçado e os argumentos são consistentes e dignos de alguém que é visto por muitos como a autoridade maior no assunto.

D- O referencial teórico é adequado. Falta a citação direta de várias idéias, o que pode levar um leitor meramente curioso a pensar que a idéia de “era de sua reprodutibilidade técnica” tenha sido criada recentemente e não, como sabemos, no final da década de 1930. Todavia, ao final do livro não faltam jamais os livros de Benjamin. Quanto à idéia emprestada de Flusser, Machado foi mais generoso e dedicou um pequeno capítulo a falar deste pensador, já que podemos afirmar que o professor Arlindo é quase um discípulo do filósofo checo, pois foi parte do círculo flusseriano quando este esteve no Brasil fugido da Europa Oriental. Podemos dizer, portanto, que em função de sua metodologia de escrita e apresentação de idéias, Machado quase não faça citações, deixando o seu texto fluente e quase que apenas com “idéias próprias”. Todavia, quando faz citações ou paráfrases, o faz com conhecimento e, podemos dizer, em casos em que é extremamente necessário.

E- Ainda que estejamos falando de uma obra rápida (a publicação nem chega a ter 100 páginas e é em formato de livro de bolso) não faltam fontes primárias e secundárias. Há uma bibliografia semi-comentada ao final da obra, no qual constam as fontes e as referências bibliográficas, demonstrando se tratar de uma mera escolha por tornar o texto fluente, esta maneira de citar as idéias de outrem (uma escolha questionável, mas consciente).

F- Os parágrafos estão bem conectados, não faltando ao final de um que termina, conexão com o que começa, o mesmo ocorrendo com os capítulos. Tudo apresentado de maneira fluente, objetiva, ampla, profunda e bem estruturada.

G- A obra apresenta alguns gráficos extremamente simples para explicar conceitos básicos de semiótica. Quanto a notas e citações, estas estão presentes ao final da leitura, de maneira conectada com palavras do autor como “as idéias de tal página foram tiradas de tal autor em livro x”. Embora seja preferível, a meu ver, notas nas páginas em que foram feitas as citações, isto deixa claro duas coisas: em primeiro lugar que se trata de uma obra realizada para a fluência e a leitura fácil (dada, inclusiva, o apelo mercadológico do tema). Em segundo lugar demonstra a primazia pela fluência em vez de um certo academicismo.

A pequena obra apresenta algumas críticas já visíveis em outras publicações do autor, porém nada que venhamos a dizer que nas idéias de Arlindo Machado, o que é apresentado não há relevância. Pelo contrário, na linha de Canclini, também citado no livro Arte e Mídia, apresenta formas e formatações enquanto propostas que só podem ser dadas dentro de uma idéia de apropriação e transformação de arte e das tecnologias que poucos poderiam formular com tanta objetividade e clareza quanto Machado. Para o acadêmico, deve ser lido junto a outras obras do professor Arlindo, porém, para um curioso, será uma obra de valor quase transcendental, principalmente se este curioso for um artista sem pretensões outras que não seja o conhecimento pelo simples conhecer.

MACHADO, Arlindo, Arte e Mídia, Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

Nietzsche Entre Montanhas

Dos aforismos, retirarei um de cada livro entre os citados: Ecce Homo, Assim Falou Zaratustra e O Anticristo e ainda um da obra Aurora. Começando por este último:

“Ai! Nenhum de nós conhece o sentimento que experimenta o torturado depois da tortura, quando foi reconduzido à sua cela com o seu segredo! –Ele o guarda entre os dentes. Como querem conhecer o júbilo da altivez humana ”.

Recentemente tivemos no congresso brasileiro um caso em que o senador José Agripino (DEM-RN) questionou a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, insinuando que a ministra poderia estar mentindo em suas entrevistas, já que quando foi torturada, mentiu aos militares brasileiros . Não vou adentrar no caso mas deixo abaixo o incidente tal como ocorreu e está registrado no you tube. A ministra responde a José Agripino Maia:

“Eu tinha 19 anos, eu fiquei três anos na cadeia e eu fui barbaramente torturada, senador. E qualquer pessoa que ousar dizer a verdade para seus interrogadores, compromete a vida dos seus iguais. Entregam pessoas para serem mortas. Eu me orgulho muito de ter mentido, senador, porque mentir na tortura não é fácil. Agora, na democracia se fala a verdade. Diante da tortura, quem tem coragem, dignidade, fala mentira”.

Embora o que eu tenha aqui não seja especificamente um belo comentário sobre o aforismo nitzschiano, posso apenas afirmar que, como disse o filósofo alemão, eu não sei qual sentimento experimenta o torturado quando consegue guardar o seu segredo. Mas já que no Brasil tivemos a má oportunidade de viver sobre um regime ditatorial militar e, infelizmente, tivemos muitas pessoas torturadas, ao menos nos restou o orgulho daqueles que puderam guardar tais segredos entre os dentes e que aqui podem nos informar com um orgulho à beira do choro (embora com uma pontada de indignação diante da insinuação do senador Agripino) como é escapar de três anos nas mãos de torturadores com o segredo ainda guardado.

“A última coisa que eu haveria de prometer seria ‘melhorar’ a humanidade. Eu não haverei de erigir nenhuns novos ídolos; que os velhos aprendam o que significa ter pés de barro ”.

Pois bem, antes de tudo, vale lembrar que Nietzsche escreveu a obra “Crepúsculo dos Ídolos ” na qual fala do quanto os ídolos interferem no desenvolvimento intelectual humano fazendo com que os homens caminhem com o que aqui ele denominou de “pés de barro”. Esta obra “crepuscular” tem como um dos objetivos ironizar os anteriores filósofos da humanidade, chocando a própria filosofia tradicional. Nada muito forte perto do que irá ocorrer após o livro “O Anticristo”.
Em todo caso, isto, em minha opinião, reforça a idéia de que este filósofo não criou uma filosofia da arrogância. Ao menos não uma arrogância pura e simples, sem uma profunda complexidade.

Nem seu Zaratustra e nem ele próprio (há pouca diferença entre eles) buscam a mitificação, a idolatria. Zaratustra jamais chega a ser um falante popular, mais perseguido que amado e seguido apenas por um punhado de homens superiores. Homens que, por serem superiores, devem encontrar a solidão, fugir dos ídolos e propagar a morte de Deus.

Do Zaratustra, chega até a ser difícil escolher um aforismo dentre tantos que podem ser escolhidos ao longo da obra. Farei como indica o livro “Minuto de Sabedoria” no qual sugere que tudo o que ali está é sábio e que basta ao leitor abrir aleatoriamente em qualquer página e ler o que ali está contido, refletindo sobre o que foi lido e aprendendo algo com aquilo.
No sorteio sai “Como quereis renovar-te sem primeiro te reduzires a cinzas? ”. Esta frase remete a diversos elementos do conjunto da obra de nosso autor. A pergunta afirma na realidade que um filósofo ou um sábio deve se destruir, afastar-se do que é virtuoso, do que é bom, do encontro ao caminho que “te guia a ti mesmo ”, o caminho sem facilidades, o caminho da solidão, o caminho aflitivo a si próprio, o caminho livre dos bons e justos, livre dos impulsos do amor, o caminho da vida nas cavernas e nos bosques, o caminho sempre diante dos próprios demônios. “Serás herege para ti mesmo”, diz Zaratustra, “serás feiticeiro, adivinho doido, incrédulo, ímpio e malvado”. O sábio se consome na própria chama para chegar ao caminho do criador, ama a si próprio e por isso se despreza “como só desprezam os amantes”. “Eu amo o que quer criar qualquer coisa superior a si mesmo e dessa arte sucumbe”.

Como eu disse, é até difícil escolher algo semelhante a um aforismo nesta obra cheia de sabedoria nietzschiana.

Vamos, portanto, ao último aforismo. Aquele retirado da última obra que li de Nietzsche e que, portanto, é a que mais ressona em minha mente no momento.

Cresci em uma família em que eu perguntava a meus pais e tios “afinal, Deus existe?”. A resposta variava muito pouco. Como alguns são católicos enquanto outros ateus inveterados, a resposta ensaiada por todos girava em torno de “quando você crescer você decide” ou “quando você crescer você descobre”. Assim, o ateísmo faz parte de mim desde os poucos anos de idade, quando decidi que a idéia de Deus não fazia sentido ou simplesmente não me satisfazia. Apenas lembro que na adolescência era legal e diferente ser o único ateu da turma.

Ainda assim, a obra O Anticristo não deixou de ser um “soco no estômago”. Um tratado contra o cristianismo elaborado de maneira contundente por um filósofo que foi filho de um pastor protestante e que, também em função disto, conhecia profundamente a bíblia (com B minúsculo mesmo).

Desta maneira, pego uma frase do início do livro no qual sintetiza o que para Nietzsche é o cristianismo. “O que é mais nocivo do que todos os vícios? –A compaixão que suporta a ação em benefício de todos os fracos, de todos os incapazes: o cristianismo ”.

Não há razão para prolongar comentários aqui mais do que os que já foram ditos. Fica claro porém o que, para Nietzsche, há de nocivo no cristianismo. A piedade, a compaixão e os princípios cristãos como um todo enfraquecem o homem e a sociedade. Nietzsche luta contra todos os dualismos, principalmente aqueles maniqueístas impostos pelo cristianismo. Deus está morto, O Anticristo são os novos valores de uma humanidade que deve aprender a viver sem Deus.

Aqui Nietzsche é quase niilista, e o cristianismo é o caminho de respostas que vão contra a própria existência da vida. Mas contra o dualismo tal como é Nietzsche, nesta obra também fica claro o quanto nem a fé nem a razão são os caminhos certos da existência humana. Apesar do que sugere o título, Nietzsche é um grande admirador de Jesus Cristo, acreditando ter sido ele o único e verdadeiro cristão. Por isso, uma outra frase importante do pensador ao dizer que “o evangelho morreu na cruz”.

Sobre o filme "Quando Nietzsce Chorou"

O filme “Quando Nietzsche chorou” é sem dúvida uma boa estória sobre uma grande história. Eu nem cheguei a me deter quanto à veracidade dos fatos (o que também não pretendo fazer) e tampouco li o livro homônimo que originou a película, ainda que tenha ficado curioso quanto a tal conteúdo. Importa, para mim, que acima de tudo foi uma boa narrativa contada de maneira irônica sem deixar de ter certa profundidade, mesmo que saibamos que em termos holywoodianos profundidade não é das ferramentas preferidas.

A atuação dos atores foi interessante, embora fosse preferível que o filme estivesse em alemão para maior convencimento, mas os sotaques germânicos, além da atriz com acento russo (que interpretava Lou Salome), foram perceptíveis até mesmo entre os que não dominam a fala inglesa.
O intrigante é que aqueles que já se dedicaram um livro que fosse na profunda alma de Nietzche se perguntaria, como eu fiz e imagino que outros o fizeram, “o que diabos tiraria lágrimas de Nietzsche?”. Em princípio, um homem fora de seu tempo, um precursor de tempos vindouros, um filósofo que não tinha como ser compreendido em seu contexto mas que nem por isso fraquejou e desta dificuldade retirou suas forças. Um homem forjado no perigo que prenunciou (ou melhor, anunciou) a morte de Deus.

Claro que o clichê de “Deus está morto” foi utilizado levianamente no filme (é Estados Unidos, não esqueçamos). Também é claro que o Sigmund (Dr. Freud) foi utilizado como o pensador “pop” que merecidamente o é, e como tal, um ator perfeitamente bonito e apessoado, chamado carinhosamente de “Sig” pelos maiorais do filme. Mas poderia ser pior. Os roteiristas estadunidenses poderiam ter mudado a narrativa do livro e colocado Freud com Nietzsche simplesmente porque venderia melhor (já fizeram algo parecido, como no caso do “Liga Extraordinária”, um entre milhares de exemplos). Mas aqui não é o caso para se falar do que poderia ter sido feito e sim do que fizeram.

Fato é que conseguiram colocar uma comédia irônica quando o filme centrava mais no Dr. Breuer ao mesmo tempo em que passaram a desesperadora loucura genial do filósofo alemão que pensou o suprahomem. Fato importante de se fazer nota, separaram bem as idéias nietzscheanas das idéias nazistas, inclusive colocando erroneamente (mas não despropositadamente) que tais idéias separaram Nietzsche de Wagner. Fizeram isto de maneira subentendida, mas o fizeram.

De aforismos e montanhas

Fazia algum tempo que eu esperava as ditas aulas que colocavam em diálogo Nietzsche e a comunicação. Entre alguns alunos mais interessados, já comentávamos tal diálogo era em si intrigante e que fosse por qual fosse o motivo, valeria a pena assisti-las.

Minhas histórias pessoais com as obras de Nietzsche sempre foram curiosas. O primeiro livro que li do filósofo foi Ecce Homo e quando me pus a ler acreditei que não iria realmente gostar do que estava por vir, porém, tenho um ditado pessoal o qual diz que “clássicos não devem ser apenas discutidos, devem ser lidos”. Assim, a qualquer momento eu iria passar por Nietzsche ainda que fosse por mera formalidade intelectual.

Pois bem, não preciso dizer o quanto foram avassaladoras as palavras do filósofo alemão a cada página que lia. Virei fã incondicional de Nietzsche e me pus a ler mais sobre ele e do que ele escreveu.

Domino um pouco da língua e acabo por conviver com diversos círculos de alemães nos quais pude fazer alguns debates. Porém, notei que a percepção que adquiri da obra nietzschiana era um tanto distinta, principalmente em função do fato ao qual alguns dos adeptos deste autor acreditavam que a obra era uma ode a um estilo de vida de certa forma pedante, para não dizer diretamente arrogante. Eu, de minha parte, não via da mesma maneira.

Acredito, antes de mais nada, que a vida miserável que levou Nietzsche, entre a eterna angústia e loucura solitárias, não o direcionaria à arrogância pura e sim à percepção que ele mesmo tantas vezes bradou e da qual eu compartilho: ele era um homem à frente de sua época. Em seu Zaratustra dizia: “para os homens sou algo intermediário entre o doido e o cadáver ”.
Acreditar ser visto desta maneira pelos homens não é motivo de orgulho em momento algum da obra nietzsciana, obra intrinsecamente ligada à sua própria biografia. Tal maneira de ver o mundo e por ele ser visto, levou-o a desconfiança total e o fez abandonar a vida social em 1881, ano em que tentou o suicídio por três vezes. Por estas razões, vejo em Nietzsche um visionário fora de sua época, que tira

Mesmo a idéia de supra-homem é um ideal de humano a que Nietzsche desejava para a humanidade como um todo e não apenas para si. O próprio Zaratustra, alterego do filósofo, angustiava-se por não ser a sociedade ainda composta por supra-homens, mas a superação do homem para esta nova fase seria tão natural quanto a do homem em si diante do macaco. “Que é o macaco para o homem? Uma zombaria ou uma dolorosa vergonha. Pois é o mesmo que deve ser o homem para Super-homem (Übermensch): um irrisão ou uma dolorosa vergonha ”.

Mas continuando na narrativa de minhas histórias pessoais com a obra de Nietzsche, crio que após o Ecce Homo eu realmente finalizei a leitura da obra com duas idéias principais. A primeira era a de que para escrever uma autobiografia colocando-se como superior aos amigos e a humanidade como um todo, havia mais de loucura do que de soberba naquele homem. A segunda idéia era mais clara, era que seria impossível ler uma obra de Nietzsche sem ser profundamente tocado por ela. E desta maneira segui, meses depois de Ecce Homo, para o Zaratustra.

Nestes entremeios de leituras, sabíamos, pela grade curricular, que em breve teríamos, como já foi dito, uma disciplina no mestrado na qual Nietzsche seria colocado diante de questões comunicacionais. Estamos falando de 2009. Muitos fizemos a disciplina e, na semana seguinte à disciplina, passe um trabalho de análise fílmica para meus alunos de produção audiovisual. Para a resolução do trabalho, cada aluno escolheria um filme e uma aluna acabou por escolher coincidentemente o filme quando Nietzsche chorou.

Após fazer a disciplina estar com este filme na mão, seria impossível não assistir a tal história. Assisti e fui tocado pelo filme. Decidi então que era hora de ler mais uma obra nietzschiana. O livro escolhido foi “O Anticristo”. Um livro forte, cheio de caos e verdade. Desrecomendado para carolas e beatos.

Enfim, foi chegada a hora de fazer o trabalho da disciplina do mestrado e a tarefa era comentar cinco aforismos de Nietzsche. Eu, de minha parte resolvi subverter um pouco essa Aufgaben e comentar quatro aforismo e o dito filme do qual falei. Acho até mesmo que já citei dois aforismos de Nietzsche e que se quisesse ficar com apenas mais três (ou mais dois e o filme) daria conta do recado passado pelo professor Dr. Francisco. Mas vamos devagar devagarinho, matando um leão por vez. Nietzsche disse em seu Zaratustra que um aforismo é como ligar os topos de duas montanhas. Não é necessário percorrer os longos caminhos entre um topo e outro se em um homem existe a capacidade de compreender os aforismos –e claro, de criá-los.

ANÁLISE DA REVISTA ON-LINE MAGUILA


A revista “Maguila” é uma revista especializada em artes e exposições, parte componente e integrante do grupo de arte experimental intitulado BASE-V. O BASE-V é um grupo de artistas de São Paulo, formado por Danilo de Oliveira, David Magila e Zansky. Desde 2002 trabalha com diferentes mídias, de publicações artesanais à instalações gráficas, misturando técnicas e materiais. O grupo valoriza o trabalho coletivo acima da individualidade, para crirar novas formas de comunicação artísticas.

A BASE-V busca influir no processo de disponibilização das artes visuais ao público, tornando-as mais acessíveis e democráticas no âmbito econômico, social e cultural; através de ações que valorizam a produção artística trazida para a esfera pública. Voltado para a atuação coletiva, o grupo trabalha em conjunto com artistas do mundo inteiro que colaboram constantemente nos projetos do coletivo. Além da produção autoral, a BASE-V realiza projetos para a área cultural e agrega uma linguagem artística para instituições que desejem um trabalho mais arrojado.
Na página do grupo BASE-V em que se encontra a revista on-line MAGUILA, é possível ver exposições artísticas como pinturas em muros e exposições em galerias, porém a estética que prevalece nas obras selecionadas, é uma estética mais mórbida e underground.

Dentro desta estética alternativa e, como muitos diriam, pós-moderna, encontram-se inúmeras divulgações de obras modernas, sujas, que trabalham com uma linguagem fanzinesca, priorizando um público jovem e transgressor mesmo em temas que se referem a aspectos culturais de uma geração passada, como no caso da obra retrospectiva de Alexandre Herchovitch no evento de moda Amni Hot Spot, de São Paulo em 2006.

É desta forma que também a revista MAGUILA se apresenta esteticamente, fazendo uma espécie de exposição artística em revista que vende ao mesmo tempo a obra de realizadores visuais e a própria visualidade da revista.

Abrindo a revista estão as obras de Suzanne Wright em que prevalecem traços simples e arte em preto e branco puro ou com uma presença forte do cinza reforçando o papel das sombras, já que o fundo é invariavelmente branco como se tudo se passasse em uma página de papel A4 vazia, uma página de livro vazio. A abstração da arte com o uso de sombra e rastros, um homem no vazio reforça a estética alternativa do grupo BASE-V como um todo.

Em seguida as obras de Julia Pott demonstram uma arte mais suja, sem o branco e o preto de Wright e em contrapartida com muitas cores e próximo ao estilo de animações para adultos, destas que passam pela madrugada, lincando a arte, a história em quadrinhos e os desenhos animados, já que a geração que se alimentou de animações nas décadas de 1970 e 1980 são hoje grande parte do público consumidor e até mesmo da classe artística produtora de obras de arte. Uma frase demonstra a estética alternativa undergound de Julia Pott: “I spend all of my time thinking about you and when i am not i am thinking about cake”. Escrito em uma parede como se feita por um pincel tosco e tinta preta, com letras disformes e irregulares, fora de uma linearidade concreta, uma seta aponta para o homem que diz a frase, um homem fora de forma, com barba por fazer, cabelos despenteados e dentes horríveis. Nada indica uma declaração de amor, nem mesmo a frase que coloca o amor por uma pessoa no mesmo patamar que o amor por uma mulher.

O mesmo sentido de amor está na figura seguinte que insinua uma sensualidade entre um leopardo e uma zebra imersa em frases repetidamente colocadas ao redor dos animais ocupando espaços dizendo “but i love you, but i love you, but i love you...”. Animais e amor, fome e sensualidade. “I am not thinking about you”, diz um urso que pensa em um pássaro. Não se pode saber se é amor ou fome, tanto quanto quando, em outra obra, um cachorro diz “it feel so right” quando a sua dona, uma madame, o acaricia. Em seguida, da mesma autora, seguem pictografias ainda mais inspiradas na esética quadrinhesca.

Após muitas obras inspiradas em mangás e HQs, surgem montagens que lembram a antiga estética da fotonovela mas brincando com a arte pop de Andy Wharol. São obras de Naomi Vona que desconstróem o futebol, a moda e outras formas de cultura de massa com colagens secas e linhas traçadas pelo que parecem ser durex coloridos.

Enfim, através de sua revista on-line, o grupo BASE-V defende suas cores mórbidas ou seu mórbido preto e branco, sua arte de vanguarda fruto de uma juventude que não entende o que é a vanguarda ou simplesmente desacredita do que possa ser uma vanguarda mas que nem por isso –ou talvez em função disso –conseguem alcançar uma estética que que sem dívida atingem em cheio os bons degustadores de arte moderna, que dialogam com HQs, cinema, grafites e arte de murais. Unindo todas essas linguagens, a revista MAGUILA, assim como o grupo BASE-V e seu sitio eletrônico atingem uma arte híbrida, midiática e que instiga a conhecer melhor os autores ali presentes.