quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O negro não deve pedir licença ao branco para entrar


Meus caros amigos leitores (sei que talvez não tenha nenhum), peço que procurem filmes e biografias sobre Nelson Mandela, sobre Martin Luther King, sobre Zumbi dos Palmares e percebam que cada minúsculo direito conquistado pelos negros no Brasil, nos EUA e no mundo foi conquistado com muito, muito e muito sangue. Você que é branco, meu colega, pense na seguinte situação: imagine querer estudar em uma escola e morrer por isso, ver seus familiares, parentes, amigos morrerem para que, aos pouco, um consiga entrar na escola, pegar um ônibus, frequentar uma mísera praça. Meu velho, isso não é coisa do passado não, na África do Sul o apartheit acabou um dia desses.

Meu amigo, pense em você com sua videolocadora e o que pode se passar em sua cabeça ao entrar um negro. Camarada, porque você acha que pedem currículo com foto??? Para excluir os negros dos atendimentos comerciais e de tudo o que possa ser público. Porque as cotas assustam aos brancos??? A luta continua e ela não acentua o preconceito, o que vai acontecer é que o preconceituoso e o racista vão se manifestar ao verem os negros conquistarem seus lugares de direito e frequentarem os mesmos lugares dos demais agentes sociais. Não haverá mais racismo com os negros calgando altos postos, apenas ficará mais claro o racismo que já existe, acabará esse mito absurdo que foi criado no Brasil de que somos um país tolerante. Tolerante enquanto o negro é subalterno.

Salve Zumbi, salve os Black P. Stones, Salve os Black Stone Rangers, salve os Panteras Negras e suas boinas vermelhas! Quando o negro pediu licença para entrar, as portas foram fechadas. Quando entrou sem pedir foi preso, assassinado e torturado. A questão é de luta mesmo.

domingo, 20 de novembro de 2011

RPG e suas multiplas narrações

Sabe quando você se pergunta "mas o que é que eu tô fazendo aqui?". Pois é, as vezes eu fico procurando uma linha entre o fato de eu ser formado em jornalismo, em história e o que diabos isso tudo tem a ver com RPG. Pô, mesmo passando dos 30 anos de idade, eu jogo todo santo sábado, escrevo sobre RPGs nesse blog e ainda tenho outro blog só para estórias e histórias específicas do grupo de jogatina que faço parte. É muito tempo investido em uma atividade, precisaria ter uma relação com o que faço de trabalho. Não que essa dúvida me tire o sono, mas se tivesse alguma relação ajudaria a dormir melhor.

Eis que essa semana tive aquilo que os psicanalistas chamam de insight. Lendo um livro da Marialva Barbosa sobre história da televisão no Brasil (tema da minha dissertação de comunicação), ela, a autora que é formada em comunicação com doutorado em história, fala que a história é uma narrativa. Não vou me deter nisso, pois prometi a mim mesmo não ser acadêmico nesse blog, mas ali é utilizada referências do filósofo francês Paul Ricoeur. Continuando, a autora vai falando sobre traços e vestígios deixados pelo ser humano no qual o historiador junta para a sua narrativa de um tempo irrecuperável: o passado.

Eureca! Foi naquele momento que tudo fez sentido. Primeiramente, jogar RPG é se comunicar de uma maneira extremamente qualificada, principalmente quando beiramos os 30 ou mais anos de idade. Narrar para uma galera mais velha exige paciência para ouvir, exige uma capacidade de argumentação para lidar com amigos que são tão inteligentes ou mais que você. Dentro de uma jogatina, contar uma história em conjunto, tendo em conta o que cada colega pode render, é uma maneira moderna de fazer algo tão antigo quanto a própria humanidade (contar causos) e assim o poder comunicacional é fundamental.

E tem a História, disciplina, nisso tudo. Mas ora bolas! Se a História é uma narrativa, que mais útil nesse trabalho de historiador que a imaginação de poder "ver" os fatos que ocorreram. Explicando melhor, lembro-me bem (demais) que quando eu lia um texto, livro ou artigo durante o curso de história, conseguia visualizar aquilo de uma maneira quase tocável. As caravelas cruzando os mares, os escravos, quilombos, as rebeliões de independência, as revoltas, revoluções, os golpes... tudo sempre foi muito visual para mim. E quando meus colegas me perguntavam (ou me perguntam) "como raios você lembra de tudo isso, cara???"; dá vontade de dizer "pô, eu vi tudo".

Seria uma resposta mentirosa, mas o ponto em que eu quero chegar é que se um livro de certo historiador é uma narrativa de certo momento histórico (sujeito, portanto, a interpretações e etc.), não deixa de ter uma relação com aquela narrativa da mesa de RPG. Mera relação, pois como diria o tal do Ricoeur, há uma diferença entre "achar" e "inventar", sendo o RPG um espaço para a invenção. Seja como for, quero dizer que quando faço minhas pesquisas, pego um "rastro" humano e tento juntar as peças daquele quebra-cabeça, é impressionante o quanto estou visualizando a tal história que estou "narrando" (a narração do "acho"). Essa capacidade de ver tem sido exercitada sobremaneira cada vez que sento e uma mesa e jogo.

Mas o que veio primeiro, o ovo ou a galinha? Ou seja, o RPG me deu subsídios para o fato de "historiar" ou a disciplina História me deu subsídios para "narrar" (narração do "invento")? Não sei e tanto faz. Minhas jogatinas vieram antes da universidade. Os livros de história que lia e a própria disciplina História que aprendia na escola (e que adorava) vieram antes das jogatinas. Desde pequeno, como qualquer criança, tenho a imaginação fértil e o que posso dizer é que com o RPG nunca parei de pôr mais humo nessa plantação. Posso dizer ainda que fazer e estudar história, vejo bem agora, me mantém nessa linha imaginativa, já que para mim, fruto do que quer que seja, essa narração da História é algo muito visual e viva, de maneira muito parecida com as visualidades de uma jogatina de RPG de mesa, considerando não apenas os prós, mas também os contras desse fato que, acima de tudo para mim, levanto.

Stalin acreditava na bondade de Hitler???


Sério, avisa para todos aqueles que gostam de história da segunda guerra mundial que o Stalin nunca acreditou que o Hitler o atacaria. Foram mais de quarenta avisos e diversos relatórios, mas o pusilânime do ditador russo não acreditava de forma alguma que o Hitler, tão bonzinho, o atacaria. Quando os relatórios chegaram até ele, o bigodudo disse que se tratava de informação errada. Só acreditou no ataque quando um general ligou para ele e disse "Estão soltando bombas sobre nós, senhor". Diante do silêncio de Stalin o general repetiu "está me ouvindo senhor, entendeu". Foi só então que a ficha caiu.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Questões sobre o livro 1984 de George Orwell


O tempo.

O tempo relatado efetivamente por Orwell não é o futuro nem o presente, mas sim o passado. É a relação do ser humano representado por Winston, com o próprio passado que dá conteúdo ao romance. Um protagonista sem passado em um drama contextualizado em um tempo e um espaço. É esse o desespero de Winston conhecer o seu passado. Mas, como afirma um dos slogans do Partido: quem controla o passado controla o futuro. Quem controla o presente controla o passado.

História.

Contextualizando o autor, o livro relata os regimes totalitários dos grandes ditadores da época de Orwell: Hitler, Mussolini e Stalin. Qualquer um deles se enquadraria no perfil do Grande Irmão ou ainda uma mistura de todos eles, pegando de cada um o que melhor os garantiu enquanto ditadores, afinal, nunca se viu o Big Brother e, sendo um computador, pode juntar a maior qualidade de cada um destes figurões históricos. Uma característica, talvez um pouco extremista, é de que no livro, assim como nos regimes totalitários, o poder cultiva a revolta em algumas pessoas para mostrar quem, afinal, exerce o poder. Winston foi, seguramente, instigado a se rebelar e viver um drama de final trágico. Dentro do livro a história e o passado são de domínio do Partido, que molda o passado para se acomodar no presente e manter, invariavelmente, as forças de poder no poder.

Baralha a ordem do tempo permitindo mudança do passado:

- O passado existe concretamente, no espaço? Existe em alguma parte um mundo de objetos sólidos, onde o passado ainda acontece?
-Não.
-Então, onde é que existe o passado, se é que ele existe?
-Nos registros. Está escrito.
-Nos registros. E em que mais?
-Na memória. Na memória dos homens.
-Na memória. Muito bem. Nós, o Partido, controlamos todos os registris, e controlamos todas as memórias. Nesse caso, controlamos o passado, não é verdade?
-Mas como podes impedir que a gente se lembre das coisas?!! É involuntário. Está fora do indivíduo. Como podes controlar a memória? Não controlaste a minha.


E assim Orwell demonstra como se é possível controlar a história, controlar o passado, mudar o passado e “baralhar” a ordem do tempo. Todo o tipo de registro que não interessava ao poder era por vezes eliminado, por outras moldado (ou mudado). Frequentemente mudavam várias vezes de acordo com a conveniência. Mas será que o monopólio da história é privilégio do futuro? Um absurdo deste acontece no nosso presente? É necessário tecnologia para controlar a história? Um contemporâneo de Orwell se questionou quanto a isto exatamente uma década antes. O dramaturgo Bertold Brecht escreveu de forma maestral um poema chamado Perguntas de Um trabalhador que lê no qual busca a compreensão do domínio da história por quem detém o poder. Vamos ler a obra abaixo.

PERGUNTAS DE UM TRABALHADOR QUE LÊ
Bertold Brecht


Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia várias vezes destruída
Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas
Da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que
a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo
Quem os ergueu? Sobre quem
triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio
tinha somente palácios para os seus habitantes? Mesmo
na lendária Atlântida
os que se afogavam gritaram por seus escravos
na noite em que o mar a tragou.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou, quando sua armada
naufragou. Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?

Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?

Tantas histórias.
Tantas questões.